domingo, 3 de abril de 2011

Oito e Meio.

Fellini realiza um filme que em muito se aproxima da obra Machadiana: Irônico e repleto de metalinguagem. “Oito e Meio” é um filme extremamente visual, conhecemos seus personagens antes mesmo de suas falas saírem da boca. Sabemos que Carla é exagerada e extravagante só de olharmos para o seu figurino, o mesmo quanto a Luísa e sua seriedade. Nesta obra, os diálogos são apenas um aperitivo a mais, de tão clara que é a linguagem cinematográfica.

“Oito e Meio” conta a história de Guido, um cineasta italiano com uma tremenda crise de inspiração. A trama gira em torno da busca de Guido por uma trama para o seu próprio filme, onde seu passado e presente acabam se misturando, em uma busca doentia por referências. Guido tem de lidar com diversos fantasmas de sua vida, que vão de sua criação católica até a forma ‘errada’ como amou as mulheres de sua vida. A paixão pela sétima arte e a necessidade de ideias, refletem-se em praticamente todas as ações de Guido: Seus gestos, falas e devaneios.

Como o próprio Fellini expõe em diversos diálogos do filme, essa é uma obra sincera, direta, que ousa ao fugir dos parâmetros convencionais do belo e cria um novo conceito de beleza cinematográfica. A estética e a estrutura dos filmes de Fellini acabam por se tornar únicas e características do diretor.

Interessante observar que a maioria dos personagens que cercam Guido veem em cada atitude dele algo genial, como se ele implantasse conceitos em tudo que fizesse. Quando o próprio personagem afirma para o crítico que quer apenas fazer algo honesto, de forma a exorcizar seus demônios e possibilitar que os outros façam o mesmo. Reflexo claro do que o próprio Fellini propõe com esse filme.

Conceitos à parte, é magnífica a forma como o processo de criação do cinema é retratado. O filme é repleto de cenas belíssimas, orquestradas pela trilha sonora de Nino Rota e mostradas sobre a ótica de uma grandiosa fotografia preta e branca.

Há de se destacar o papel simbólico que certas mulheres possuem em sua vida. Saraguina remete aos instintos de Guido, o primeiro contato que o mesmo teve com seus desejos e com o questionamento aos valores que lhe foram impostos. Luísa é a sua realidade, é a que o tira dos devaneios e o traz para a dureza da vida. Luísa o conhece de verdade, é a única que o vê não como um gênio e sim como um homem.

“Oito e Meio” é sem dúvida uma obra primorosa, que marcou a história do cinema e a história dos filmes que falam sobre cinema. Quanto a história de Guido, o que melhor justifica toda sua alma e trajetória é uma frase célebre dita e repetida por Cláudia: “Porque não sabe amar”.