sábado, 27 de agosto de 2011
A ALEGRIA
Como classificar ou falar sobre um filme como “A Alegria”? Um filme que consegue se distanciar dos padrões, do comercial ao cult. Acredito que o comparar com qualquer outro filme seria um crime, um despropósito. Não há dúvidas, entretanto, de que o filme segue com vigor o espirito do cinema novíssimo – “A Alegria” incomoda, e muito. Seja o expectador qual for, o que assiste a “blockbusters” americanos ou o que é rato das mostras sobre Glauber Rocha, qualquer um sai incomodado. O que gera dúvida, polêmica e discussão, tornando o debate sobre o filme mais acalorado e por consequência, produtivo.
Tenho que dizer, antes de começar a entrar no campo das opiniões, que não tenho nenhum interesse pela história narrada no filme, e sim por sua forma e suas construções dramáticas. Ainda que me interesse pela forma densa e cheia de lacunas com que os personagens são conduzidos. Tendo isso em vista, acredito que o fato do filme cumprir as propostas de seus realizadores, não obriga o expectador a gostar do que é feito, e provavelmente essa nem é a intenção de quem o fez. Propositais ou não, as atuações forçadas e os diálogos irrealmente poéticos, são desagradáveis e constrangedores. Ao passo que servem para retomar constantemente a ideia de que esta sendo visto um filme, não nos sugando para caminhos ilusórios.
O que “A Alegria” tem de desconfortável e agonizante em diálogos e atuações, tem de exuberante em sua estrutura narrativa e imagética. Amparados em uma fotografia deliciosa, os planos são de uma estética tamanha, que acabam por amenizar em muitos momentos, todas as sensações ruins que o próprio filme impõe. Com o auxilio de se passar em um universo muito próprio e livre, a construção das imagens é o grande trunfo do filme, que querendo ou não, prende o expectador através dos olhos. O som pulsante, onde música e ruído são um só, unido a tamanhas imagens, proporcionam uma experiência não só mental, mas também física. Levando o clássico “sentir” do cinema, a pontos extremos.
Duas falas do filme parecem ter sido ferramentas dos realizadores para falarem através de seus personagens. A protagonista diz ao pai: “Tem muita gente quieta nesse mundo”, e de fato, existem muitos filmes quietos, quase iguais, em um mundo cada vez mais globalizado. Filmes que não levam o expectador a experimentar nada de novo. “A Alegria” mais do que bom ou ruim: É. Símbolo de um cinema muito diferente do que tem sido visto, de algo fresco que parece brotar em meio as terras férteis do cinema brasileiro. Um cinema que não é e nem quer ser como os outros, assim como a protagonista de “A Alegria”.
A segunda fala é a do tio da protagonista, que diz a esposa que foi enterrado vivo, mas que renasceu e enfim refaria sua vida. E é isso que “A Alegria” faz com o cinema, onde os cineastas de todo o planeta, como dito no parágrafo anterior, parecem estar em crise de identidade em meio a um mundo tão plural, acabando por sucumbir a acomodação. “A Alegria”, fazendo algo que julga novo, ressuscita um cinema a muito esquecido, puro em uma perspectiva muito simples, onde fala ao expectador sem rodeios, e debate com ele ao invés de ludibria-lo. Uma pequena obra prima, considerando o que representa.
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sábado, 13 de agosto de 2011
A Árvore da Vida
A “Árvore da Vida” é antes de tudo, uma experiência sensorial absurda. Maximizada por efeitos visuais maravilhosos, fotografia luminosa que dá a aura divina que permeia por todo o filme, e trilha sonora que faz o peito arfar e provoca sorrisos involuntários em nossos rostos durante e após o filme. “A Árvore da Vida” se assume constantemente como filme, seja através de repetição de planos, olhares em direção a câmera ou quebramentos de eixo. Tomando em seu desenrolar, ares de obra de arte, que pode ser agradável ou não, dependo do nível de entrega que seu expectador lhe dá.
Com um misto de filosofia e religião, “A Árvore da Vida” mostra o papel insignificante do ser humano em relação ao universo. Um ser tão pequeno quando comparado ao universo, está para ele como a célula para o corpo humano, o planeta para a galáxia e a gota d’água para o mar. Entretanto, ao contrário de filmes como “Melancholia”, “A Árvore da Vida” demonstra o quanto somos agraciados pelo fato de existirmos. A possibilidade de estarmos em meio a algo tão grandioso e complexo é tido como privilégio. Os raios de sol, as árvores, o toque da pele humana - Todas as pequenas coisas ganham proporções épicas que se voltam para nós e dizem: A vida está aí, veja-a, sinta-a, viva-a.
Ao longo de sua história, o cinema acumulou diversos filmes com uma mesma “mensagem”: “Carpe Diem”. O que difere “A Árvore da Vida” é o fato de que esse questiona. - Aproveitar o dia? Mas de que forma? – A personagem de Jessica Chastain diz que se não amarmos, a nossa vida passará rapidamente. O tempo é tido como algo que passa em velocidades diferentes para cada pessoa. Tempo esse, arma poderosa de Malick, que transita com naturalidade por ele, subvertendo as noções de passado, presente e futuro. Podendo tudo pode ocorrer ao mesmo tempo, até mesmo Jack, vivido por Sean Penn, encontrar seu “eu” criança.
Em meio aos anos cinquenta, no interior dos Estados Unidos, uma família tem de lidar com a perda de seu primogênito. Levando-os a questionar Deus quanto ao porque do sofrimento humano. A dúvida é personificada pelo papel de Jessica Chastain, a mãe amorosa, benevolente, fiel aos ensinamentos divinos e a família. E ela quem mais sente o peso da perda, buscando no criador as repostas para o seu tão pesado tormento. A resposta chega na cartela exibida logo que o filme começa, mas toma suas devidas proporções apenas no final emblemático – Somos pretensiosos demais ao achar que as ações são moedas de troca e que temos o direito de ter explicações para tudo.
Após o breve encontro do expectador com os desdobramentos da morte do primogênito, somos levados até um dos irmãos: Jack. Já adulto, Jack ainda é atormentado pela perda do irmão. Dele somos levados para uma série de imagens estupendas que abarcam das células humanas e fenômenos naturais até dinossauros e belíssimas imagens do universo. Voltamos então para a criação do primogênito. Partindo de sua concepção e passando por seus primeiros passos e o desenvolvimento de relação com os pais e irmãos. Quase adolescente, o garoto possui uma relação difícil com o pai rígido e começa a apresentar sinais de maldade e questionamento quanto ao poder e a vontade divina.
Malick imprime profundidade em cada pequeno momento dessa família. Almoços de família, brincadeiras infantis e brigas de casal não são apenas acontecimentos corriqueiros, são eventos apoteóticos. Em meio a isso, são criados laços estranhos e dificilmente rotuláveis entre os membros dessa família, mas que poderiam mais amplamente ser chamados de amor. E isso se deve principalmente a câmera de Malick, que produz imagens deslumbrantes, que parecem captar cada sentimento com uma sensibilidade incrível. Sua câmera produz imagens que mais parecem acidentes. Contudo, dotados de enquadramentos magistrais.
A locações escolhidas e a direção de arte cuidadosa lapidam ainda mais essa obra incomum que é “Á Árvore da Vida”. Em meio a elas brilha um elenco de tirar o fôlego. Jessica Chastain esta impecável no papel de mãe, em uma química perfeita com Brad Pitt como seu marido. Esse infelizmente, acaba por ser ofuscado a maior parte do tempo pela companheira de cena. As crianças são incríveis, cumprindo seus papéis com delicadeza e notável competência. A grande incógnita é o Jack de Sean Penn, que parece ter sido extremamente mal aproveitado. Entretanto, pode-se supor que se seu personagem ganhasse mais espaço, com certeza haveria um filme completamente diferente, talvez mais convencional. O que obviamente não pode ser um desejo comum após assistir “A Árvore da Vida”.
Talvez “A Árvore da Vida” seja apenas muito bom, como muitos outros filmes. Mas como experiência de vida, ele extrapola qualquer outro. A forma como dialoga conosco e com a vida através de nossos sentidos, é única e especial. Sendo assim, “A Árvore da Vida” firma seu lugar na história, assumindo a posição de algo que não se permite ser esquecido, penetrando em nossos olhos, nossos ouvidos e nossa carne – E lá permanecendo.
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sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Melancholia
Estava com um péssimo pressentimento com o que viria pela frente logo que o título apareceu. Isso porque acabara de ser apresentado o prólogo. Bonito, sem dúvida, mas de uma masturbação artística incômoda. Eis que o filme começa de fato, e tudo muda. Após o prólogo, o filme é dividido em duas partes, que parecem pertencer a filmes diferentes e ao mesmo tempo se completam. As partes são nomeadas de acordo com os nomes das duas irmãs protagonistas: Justine e Claire.
Justine é triste por natureza, tem consciência de sua existência e da falta de importância da mesma. Na primeira parte, que se passa durante sua festa de casamento, acompanhamos uma Justine que ainda tenta enganar aos outros e a si mesma. Já na segunda parte, que se passa nos dias precedentes a passagem de um planeta pela terra, vemos uma Justine autêntica, melancólica, irracional em sua racionalidade. “Pare de sonhar Justine”, diz sua mãe Gaby, e ela para.
Claire é a personificação do ideal de mulher comum, portanto perfeita. É amorosa, educada, metódica, responsável e dedicada a sua família, em suma, humana. Apesar de somente a segunda parte levar o nome de Claire, pode-se dizer que vemos o filme através de seus olhos. Assim como Claire, sentimos desconforto quando Justine despreza e desconstrói o que seria aceito pelo senso comum: Trai o marido horas depois de ter se casado, abandona o casamento na própria festa, demite-se após ser promovida no trabalho. Ao passo que Claire luta até o fim da segunda parte para manter sua vida sobre os padrões considerados normais. “Os rituais” sabiamente nomeados e repudiados por Gaby.
Justine mostra a nós expectadores, e a Claire, que podem-se criar regras, segui-las fielmente, mas nada disso irá impedir que a vida cumpra a única certeza a nós imposta: A finitude da matéria. Seja através do suicídio, da morte natural ou de uma terrível catástrofe. E é no ponto em que tudo isso fica claro que o filme se torna desesperador, sufocante. O público tem vontade de gritar, mas não o faz, espera tenso pelo que tem a ser mostrado. O final se aproxima. Os pelos erriçam-se, os olhos se arregalam e a respiração é presa. É triste ver a beleza do final, ao saber que não poderá ser contemplada de tal maneira quando o fim de fato chegar. Os créditos começam e o público ainda demora a se mexer. Atordoados, saem da sala de exibição a passos lentos e cambaleantes, trocando olhares com misto de pena e compreensão.
Lars Von Trier exterioriza sua temática com primor. Os desprezo pelas convenções por sua falta de importância não se aplica só a Justine, mas também aos planos, os movimentos de câmera, as transições entre planos, a montagem final e as próprias atuações em si. Tudo foge do que é comumente aceitável. Mas não se enganem, é tudo belíssimo. O que cria duas possibilidades: Ou a câmera possui uma bizarra sensibilidade, ou Trier é uma criatura perversa, genial e manipuladora. Fico com a segunda opção.
Charlotte Gainsbourg esta esplêndida no papel de Claire. Charlotte se mostra familiarizada com a câmera de Trier, e dança junto com ela em uma atuação segura e poderosa. Kirsten Dunst, até então considerada uma atriz mediana, revela-se capaz de criar Justine, uma personagem fora do comum e ao mesmo tempo palpável. De forma magnífica, Dunst entra para a sala de troféus de Trier, que conta com Charlotte Gainsbourg (Por Antichrist), Nicole Kidman (Por Dogville) e Björk (Por Dancer In The Dark).
Na pele de John, marido de Claire, Kiefer Sutherland desempenha com brilho o típico homem rico, que acredita que o mundo gira em torno do próprio umbigo. Enquanto John Hurt interpreta o pai das irmãs com um humor soberbo, que arranca sorrisos da platéia em meio aos momentos mais obscuros. Charlotte Rampling é outra coadjuvante que se destaca, sua Gaby chega a parecer uma Justine mais velha e sincera. No entanto, somos levados a crer que seu ponto de vista se dá através rancor, e não de um instinto natural com o de Claire.
Lars Von Trier é um cineasta conhecido por muitos como fetichista e pretensioso, mas muitos dos seus algozes teriam de admirar a respeitável sobriedade com que Trier trata o personagem infantil da trama: O filho de Claire. A olhar puro do personagem sobre o mundo, e a forma como é poupado de toda a sujeira dos adultos, é louvável tendo em vista o caos criado por Trier. Mesmo que o personagem tenha conhecimento do fim, ele o encara como uma criança normal, com uma espécie de bonita naturalidade.
Não há como falar de Melancholia sem deixar de citar a fotografia estranhamente harmoniosa, tendo em vista a câmera instável e incerta de Trier. São impecáveis, a iluminação amarelada da festa (Que lembra em alguns momentos iluminação por velas) e a projeção azulada do planeta sobre os personagens. A naturalidade fotográfica criada em meio ao que poderia se chamar de sobrenatural, dado o contexto incomum em que o filme se insere, é obra de mestre.
Melancholia é um grande filme em todo o seu conjunto. Capaz de fazer refletir por horas a fio. O que obviamente só aumenta a aflição por ele deixada. Lars Von Trier é direto: O fim é um fim em si mesmo. Ou algo do gênero. O que importa é que depois que o filme termina, não há mais como se ver o mundo com os mesmos olhos. Melancholia é acima de tudo, inquietante e perturbador.
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