terça-feira, 15 de novembro de 2011

O Garoto de Bicicleta



Como seria tratada pelo cinema, em geral, a história de uma criança que ao ser abandonada pelo pai, encontra apoio em uma mulher que o trata como filho? Sendo que essa criança ainda por cima seria tentada pelos mais diversos maus elementos do submundo contemporâneo? O resultado: Um melodrama de levar as lágrimas. Certo? Não para os Dardenne.

Permitindo-se fugir um pouco de seu habitual teor “neorrealista”, os irmãos Dardenne realizam uma obra delicada em suas belezas formal e de conteúdo, ao passo que impressionam por uma visão crua da realidade. Ainda que com um aprumo estético natural na condução do filme, os Dardenne não estilizam a questão social, não a transformando em um show melodramático como grande parte dos “realizadores” o faria.

Isso se manifesta através dos diversos seguimentos da construção fílmica, partindo de um roteiro que dá sinal de brilhantismo em todo o seu desenrolar. O prosaísmo de cada situação é tratado como algo apoteótico, maximizando cada pequena tensão que é criada. A tensão é corroborada também pelo uso recorrente de anticlímax. Em “O Garoto de Bicicleta” o que importa não é a conclusão do fato, mas a forma como o fato é preparado. É um filme primordialmente de expectativas.

Os Dardenne novamente insistem em prolongar o plano de acordo com a duração da ação, talvez seja aí que resida sua maior herança de uma tendência mais realista, ainda que nesse filme se permita a campos e contra campos e outros cortes mais estranhos a sua filmografia. A ousadia acaba por ser positiva, pois dá frescor ao filme, um ar de novidade.

A montagem, que a um olhar mais desatento poderia parecer um mero justapor desses planos, impressiona por sua precisão. Os cortes de um plano para o outro parecem ser feitos sempre nos momentos corretos. A união dos planos através de cortes secos, não promove a identificação, mas torna esses cortes mais suaves.

Outro fator que influencia nessa concepção realista é o som, talvez o único elemento que venha realmente a incomodar em certos momentos. O permanecer do som do campo diegético do filme e a pontuação dos ruídos cotidianos como uma espécie de trilha sonora, massificam o tom realista e algumas vezes incomodam.

Enquanto a arte parece passar despercebida em decorrência de seu mimetismo, o uso das cores associados a fotografia compõe a parte mais assumidamente assinada do filme. Com o contraste do vermelho e do branco soando mesmo quando o vermelho não é muito evidente. A fotografia é suave, mas não consegue passar sem ser notada, devido a sua beleza ímpar.

No que diz respeito às atuações, “O Garoto de Bicicleta” parece possuir um elenco perfeito para toda sua estrutura cinematográfica e narrativa. Seus atores não parecem possuir tiques, e nem um naturalismo forçado. Tudo soa espontâneo, como se assumissem que estão representando em um filme e não ligassem para isso. Até mesmo as crianças parecem estar à vontade.

O grande destaque no campo das atuações reside na experiente Cécile De France, que no papel de Samantha, não teme em deixar de lado as caras e bocas, expressando suas nuances através dos pequenos gestos. Outro que se destaca nos escassos momentos em que aparece é Jérémie Renier, no papel do pai que abandona. Tornando impossível não remetê-lo ao pai que quase se livra do filho para os seus próprios interesses em “A Criança”.

Com um bom elenco e toda uma estrutura sólida a seu favor, “O Garoto de Bicicleta” acaba por cravar mais uma estrela na filmografia dos irmãos Dardenne. Trata-se de um filme seguro de suas possibilidades, ligeiramente ousado no que diz respeito aos próprios realizadores e único se comparado as outras produções da segunda década do século XXI. Uma verdadeira aula de cinema em menos de uma hora e meia.

Avaliação: :D

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