quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Síndromes e um Século

O círculo da vida visto pela ótica visionária de Apichatpong Weerasethakul.

Em um primeiro ato, vemos toda a beleza de uma cultura. O amor e a natureza transmutam-se em um belo tributo fílmico a cultura tailandesa. O ato passa-se em um hospital do interior da tailândia onde são apresentadas pequenas histórias, sem preocupação com linearidade. Uma médica entrevisa possíveis funcionários. Um monge descreve seu sonho para a atenta médica, receitando-lhe um chá de ervas em seguida, que é prontamente aceito. Um outro monge canta para o seu dentista uma música tradicional, e os dois se divertem durante a consulta. Um homem se declara para a médica, que lhe descreve uma história de um homem que conheceu em uma feira. Um piquenique ao ar livre. A confissão de um homem apaixonado por uma mulher.

As histórias que explodem sutileza e singularidade preparam-se agora para um segundo ato, que mudará a perspectiva sobre aquele que parecia apenas um festival de belas imagens. Para a transição, vemos um homem cantar em uma espécie de pequeno festival. Enquanto seu parceiro toca uma belissima canção ao violão, somos levados a uma intensa viagem sensorial, desembocando em um delicioso diálogo entre o cantor e um jovem monge. As vidas passadas são postas em perspectiva e o monge nos convida enfim para o surpreendente segundo ato.

Agora estamos em um hospital bastante moderno em uma tailândia urbana e globalizada. Uma médica entrevista um possível empregado em uma sala branca. Um monge faz um check-up com um médico, descreve seu sonho e logo em seguida oferece um tradicional chá de ervas. O médico faz pouco caso da medicina alternativa e prossegue sua consulta. Um dentista cuida dos dentes de um outro monge com a ajuda de uma assistente, sem ter qualquer tipo de contato com o paciente além do necessário. Um grupo de médicos bebe em uma sala escura de hospital. Jovem joga uma bola na parede e em seguida confessa a um médico que está apaixonado por um outro homem. Uma mulher visita um médico e o beija no hospital, ela manifesta a vontade de se mudar para um novo polo tecnológico.

As situações do segundo ato aparentemente semelhante as do primeiro, revelam uma brusca transformação da sociedade. Somos obrigados a engolir uma sociedade cada vez mais cética e fria, onde as relações humanas estão cada vez menos pessoais. A essência de um povo, tão bem abordada na primeira parte, perde-se em um mundo onde os seres humanos aproximam-se cada vez mais da perda de sua identidade. Os entraves das relações afetivas deixam de ser profundos, dando lugar aos problemas de capital. Ao invés da bela música, ouvimos a irritante poluição sonora das cidades.

Não bastasse nos dar um tapa na cara atrás do outro, Apichatpong decide esclarecer tudo com uma belissima metáfora em uma de suas cenas finais. Onde um tubo suga lentamente todo o ar, tornando tudo seco, frio e obscuro. Seus personagens solitários contemplam o vazio e em pouco tempo a película acaba. O futuro parece não mais nos pertencer, somos obrigados então a aceitar e continuar vivendo. Pessimista? Talvez. Genial e sincero? Sem dúvida.

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